O Violinista
Vivaldi ribombava pelo quarto, em altos acordes lamuriosos. O violino quase quebrava os vidros toscos das janelinhas brancas. Gonçalo cofiava o bigode com porte de rico, ao jeito queirosiano. Perdera-se na imaginação de um sofrimento raro, apoteótico. Desesperara, chorando-se, rindo-se, com a intensidade dos volteados da música, forte e incisiva. Esfregara-se pelas paredes nuas, como que a dizer-lhes que eram suas, que teriam de se habituar a ele, aos seus devaneios, à sua suave loucura. O vento ouvia-se com violência no intervalo das faixas do disco. Era um domingo frio como uma pedra, a cheirar ao inverno verde do norte. Nada voltaria ao seu lugar, agora. Refugiado, exilado, fugitivo, Gonçalo era a sombra do que tinha sido em tempos, nos sonhos dos tios, dos pais, dos mestres que o queriam doutor das leis. De ascendência nobre, tectos dourados, porcelana da China, queria apenas fugir para Veneza, deleitar-se na Ponte dos Suspiros, partilhar as migalhas com os pombos c...